Postal de Lisboa
A sua avó com quem ainda conviveu, dizia-lhe que tinha uma costela do seu tio-avô Luís Morais, o clarinetista que por esta época encantava e que gosto de recordar com “Boas Festas!”. Mas o neto, Celso OPP, o artista que se surpreende com o domínio natural de qualquer instrumento de sopro é um dos peculiares músicos do Hip Hop com interpretações provocatórias e interventivas e que, mais do que “rapper” alarga os seus talentos a outros ritmos como o funaná, o kizomba, o reggae e à fusão destes com os tradicionais. Em preparação – “CV-ismo”(civismo) - mistura de estilos como a morna de Cesária Évora ou de Ildo Lobo com o rap: “A ideia é unir para que os jovens encontrem, através da música, a sua identidade, tenham as suas referências, descubram a sua direcção!”, diz Celso Morais que receia algum vazio com a morte “daquela que tinha dentro dela algo maior que ela” se “as politicas não fizerem nada”para manter o seu estandarte no mundo.
De Otília Leitão
Flauta, saxofone, clarinete... são “brinquedos”, mas o jovem produtor, compositor e intérprete do mais recente trabalho “ILumina A ti “ e que gerou polémica no tributo ao seu amigo MCsnake, abatido pela policia, em “ Carta pra Sociedade”(2010), tem obra feita no “rap” (rhyme and poetry) ou rima e poesia, como ditam os cânones. É um canto falado ou discurso sobre um fundo musical designado por “beatbox", originário dos guettos jamaicano- norte-americanos da década de 60/70 do século passado, cujos intérpretes, jovens, são os “rappers” ou “MCs” (mestres de cerimónia) que utilizavam as festas para denunciarem os problemas das comunidades, as rixas no gueto, o papel da polícia e o tráfico. Sposito (1994, p.161) confirma a característica deste género musical, como um “produto da sociabilidade juvenil que expressa seu quotidiano e critica o mundo que o rodeia e constrange”.
Se Eminem é um jovem ícone do rap norte-americano e Lil Waynw do Hip-Hop, em Portugal o ritmo afirmou-se a partir da compilação “Rapública” em 1994 em freestyle ou improviso de vários jovens. O refrão “Não sabe nadar, yo” tornou-se popular e até o antigo Presidente da República Mário Soares, o usou num dos seus discursos polémicos sobre a arte rupestre em Foz Coa “As gravuras não sabem nadar, yo!”
Na sua mesa de trabalho, enquadrada com a bandeira de Cabo Verde esticada na parede da sala de sua casa, onde o mundo lhe cabe na mão através da Internet, Celso Morais, 31 anos, rodeia-se de uma panóplia de instrumentos de som e gravação, um reduto que lhe ocupa muitas horas, por vezes só compartilhando o verde do jardim da sua rua, com um olhar através da sua janela". "É uma paixão mexer e utilizar a potencialidade de todos eles”, diz, como que recusando ser uma outra coisa que não um interventor através da linguagem musical.
Nascido em Portugal, mais velho entre cinco irmãos e pai de Lara (cinco anos) Celso OPP é hoje um dos mais experientes no Hip-HoP com 16 anos de trabalho e sete álbuns editados em crioulo e português.
Além do crioulo aprendido no seio materno, com a sua avó Cesária Francisca Morais e os pais que vieram muito jovens para Portugal, com “nuances de S. Vicente”, notou, "aprendi na rua o crioulo da Praia”, referiu, uma particularidade que evidencia a fluência desta língua cabo-verdiana em Lisboa.
O músico estava longe de imaginar este seu percurso já que, embora crescesse nesse caldo cultural, foi só a partir dos 13 anos, quando aprendeu música na Escola Preparatória de Carnaxide com o incentivo dos professores que lhe encontraram “graça” e depois sua mãe, Gilda, lhe ter oferecido um órgão electrónico, algo começou a desabrochar:“nunca mais larguei a música!”
Apesar de rejeitar ser apenas “rapper” Celso OPP encontra-se entre os dez “rappers mais vistos”, de uma lista de 44, com base em estatísticas do Google Analytic, e com algumas das suas músicas em destaque em vários rádios. Reivindica para si um trabalho com conteúdo e com profundidade crítica, que pretende melhorar os jovens e alertar a sociedade aceitando que gosta de política e que já foi aliciado por diversos partidos.
E quando lhe interpelo sobre a dureza e angústia transmitida pelas suas músicas, nomeadamente em “Guetto na Memória-Shotgun (1997), Celso Morais diz que teve uma infância difícil, num bairro estigmatizado, do qual já saiu. “Já vi muitos amigos morrerem ou serem presos! Já vivi o extremo”, diz o autor, opinando que embora tendo a cidadania portuguesa, como qualquer outro autóctone, “as polícias estão sempre em cima das minorias".
Recorda a morte do seu amigo músico “MCsnake” em 2010, com um tiro da polícia, quando interceptado no seu carro não parou, e nota a discrepância com o crime cometido, em relação à condenação do agente em 2011, em 20 meses de pena suspensa.
Num português desempoeirado Celso Morais desfia vivências de um quotidiano onde a lei é para todos, mas desigual na sua prática: “ há sempre um trabalhinho por detrás!”, deixando transparecer alguma amargura por descriminações mais subtis, sem que isso o tenha feito abdicar de um qualquer protesto adequado. Exemplifica: “quando um editor responde a um produtor eh pá! só tens música africana..., sem sequer a ouvir ou levantar o rabo da cadeira isto é o quê?”.
Nas suas músicas há uma obsessiva preocupação com os jovens e à não conformação com as violações aos direitos humanos. Critica as políticas ou ausência delas para uma melhor integração social e alerta os próprios jovens para aproveitarem as oportunidades educativas em vez de se deixarem perder por caminhos fáceis e perigosos.
Mas, apesar de considerar que os amigos da sua geração do qual é o mais novo, sofriam mais, Celso Morais adverte que actualmente há mais oportunidades e mais meios, mas é mais difícil singrar no meio como profissional devido à concorrência das editoras que só querem o lucro acima de tudo. Acredita que a qualidade, apesar de secundarizada por interesses comerciais, vencerá separando o trigo do joio.
Celso OPP, um filósofo da realidade em que vivemos e, dizem os seus fãs um perito em "rimas flows e beats" tem obra sua em muitos projectos musicais e integrou produções com alguns dos grandes nomes do Rap/Hip-Hop, (Chullage, Bomberjack, Zoxea, Boss AC) , além de colaborações em produções televisivas.(Vide em Myspace:http://www.myspace.com/guinssapro You Tube: http://www.youtube.com/results?search_query=celso+opp&aq=).
Da sua discografia regista-se também “Operacional - Guetto Squad”(1999), “Escuta Só - SS (aka SAMP -2004), Continuação - SS (aka SAMP) (2005), “I Wanna Know – VIP” (2005), “ Other Life – SAMP” (2006), “Faixas Perdidas (2009) , “Riba Portela” ( funaná – 2009), “Fuck the Police” (2009), “Celso OPP – libertem o rap“(2010), “Bem mal” (2011), “Mantém a Fé” (2011), sem esquecer dos primeiros como “knock out – Tropas de morte”. E do reggae? “Em 2012 vem aí um novo trabalho com gente graúda da Jamaica...do Caríbe ...”
Notas :
1 – Foi digna a homenagem de António Costa, presidente da Câmara de Lisboa a Cesária Évora e original a particularidade de espalhar pela cidade cartazes/outdoors com a foto da artista, com os dizeres em crioulo: "Omenagem a Cesária Évora, i tud pov di kab verdi".
2 – Ainda a Tertúlia Crioula e o seu segundo aniversário; Quatro oradores são um excesso. Sem intervalo nem ritmo ao longo de mais de quatro horas, o debate torna-se mais um massacre à inteligência de cada um. Acentuadamente de carácter económico, no debate há a registar a afluência participativa de universitários, mas a tertúlia em anfiteatro fica sem alma. Fomenta a distância e recoloca a supremacia professoral. Retira-lhe a característica intimista de conversa entre iguais.
Há a registar da intervenção do professor João Estêvão que o PIB de Cabo Verde tem vindo a crescer e está a ir bem, embora com desenvolvimento defeituoso e taxas de desemprego elevadas e a sua frase “Cabo Verde gosta das suas remessas mas não gosta da sua diáspora".
De Filinto Elísio, o poeta, o ênfase na importância da cultura na relação com o Turismo, exemplificando com diversos países e onde há muito por fazer. A exploração e narrativas culturais, nomeadamente da escravatura e a dimensão africana foram algumas das suas propostas. Cabo Verde é muito bonito, mas se as pessoas chegam e nada tem para fazer... Os principais destinos turísticos do mundo não possuem nem muito sal nem praia, mas 80 por cento do dinamismo é cultural.
Olávo Correia, que já teve responsabilidades governamentais, alertou para a necessária estruturação da economia e a imperativa mudança de atitude. Cabo Verde não pode contar com a ajuda pública ao desenvolvimento, mas tem de ser pro-activa nas oportunidades nem deve pautar-se apenas pela comparação com os níveis de países africanos.
E Manuel Faustino o médico e chefe da Casa Civil do Presidente, surpreendeu os próprios estudantes pelo tom leve e irónico com que falou das drogas, numa pedagogia sui géneris para evidências tão dramáticas, sobretudo no consumo do álcool e na violência doméstica.
3 - A enaltecer o esforço que a equipa da histórica Associação cabo-verdiana de Lisboa, presidida por Rui Machado, tem feito para tornar aquele espaço centro de actividades culturais dinâmicas, para além dos concorridos bailes das terças e quintas-feiras à hora de almoço. A semana da Cultura cabo-verdiana foi um exemplo, ainda que na adversidade de obras inconcluídas.
Otilia.leitao@gmail.com
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