Uma Aula De Historia (Para o Barbosa)


Apesar de ter afirmado publicamente que não recebe lições de ninguém (uma atitude que ultrapassa arrogância), antes de eu refutar os rótulos que tentou colocar na Cultura Hiphop (e na musica que representa esta cultura, a música rap), constituída por vários elementos além do rap (MCing, para ser mais correcto) vou lhe dar uma lição. Uma lição sim, de história. O quê é o Hiphop!? Como surgiu a Cultura Hiphop, nos estados unidos e em que contexto social, chegou as nossas ilhas? E também porquê, num contexto actual surge alguém como o senhor, a contestar a existência do Hiphop caboverdiano!? Estas são perguntas que o Sr. barbosa não fez a si mesmo, antes de proferir asneiras. Ou fingiu que não sabia a resposta a estas perguntas, para poder avançar com o seu golpe maquiavélico, baixo e inconsequente. Mas, porque o barbosa demonstrou ser completamente ignorante, nestes aspectos, vou-lhe explicar, isso tudo. Vou-lhe fazer este favor, para que nunca mais profira tais asneiras. O senhor ou qualquer um outro. Vou-lhe fazer este favor, porque muitos não têm o conhecimento necessário para lhe fazer esse favor, para deitar por terra a sua arrogância, a sua “manhenteza”. Algo que para mim ê mais fácil do que retirar um "chupa-chupa" a um bebé. Porque, ao contrário do senhor, conheço esta cultura. Vivo esta cultura. Sou Hiphop Criol/Caboverdiano. Portanto, não é Gilson Silva, quem vai-lhe ensinar hoje. Mas sim, a cultura Hiphop Universal e de Cabo Verde, e os conhecimentos universais adquiridos pelos seus agentes, que lhe vão ensinar.

Contexto Social e Politico nos E.U.A (Na altura em que o Hiphop surgiu)


O Hiphop, ou a cultura Hiphop, surgiu nos E.U.A. em meados da década de 70. Falemos do contexto social em que se vivia na altura. Estamos em 1970 e a guerra do Vietname está decorrendo. O movimento “civil rights movement” encontra-se no seu auge. Não preciso explicar estes períodos, pois sendo culto como pretende, tem que ter conhecimento destes períodos da história. Nesta altura, J.Edgar Hoover é chefe do FBI (Federal Bureau of Investigation).
Mas nos finais da década de 60, ainda sob o comando de George Bush o FBI havia lançado um programa denominado “Counter Inteligence Program” (Counter Intel Pro). Este “programa”, essencialmente, era uma forma do FBI espionar e dissolver organizações sociais (grupos de mulheres, movimentos “civil rights”, sindicatos de trabalhadores, etc…). Está documentado, que o F.B.I estava a procura de um “Black Massiah” (messias negro), no seio da comunidade negra. E isto não é teoria. São verdades, reveladas pelos próprios registos da FBI, em que se utiliza precisamente essa expressão “messias negro”. O verdadeiro plano do FBI, como deve calcular, não era congratular estes líderes. O plano era eliminar esses “Black Messiah”. Observavam Malcolm X, Luther King, Kwame Ture, entre vários outros, e fizeram planos para elimina-los. Queriam desembaraçar-se deles, não porque estes cidadãos fossem uma ameaça sozinhos, mas por causa da inspiração que traziam para a nova geração. E isso sim, representava uma ameaça para a manutenção do “status quo”. Hiphop nasceu aqui, neste contexto social e político.

Essa nova geração, que o FBI tinha medo que absorvesse as ideologias desses líderes (observados e eliminados dentro do programa “Counter Intel Pró”, como black messias), acabou mesmo por absorver estas ideias. E vamos mais a frente constatar que é neste contexto atrás citado, no seio desta nova geração, filhos de pais que haviam clamado por “civil rights”, que surge a cultura Hiphop. Entretanto, após a guerra do Vietname, as ruas estão infestadas de drogas (epidemia de heroína), cortesia do FBI e o seu programa “Counter Intel Pro”. A maioria dos homens/pais de familia estão ausentes. Engolidos pela guerra do Vietname ou pela heroína, que está em todo o lado na zona de Bronx (onde o hiphop começou a manifestar-se). No contexto dessa “epidemia de heroína”, que dominava as ruas, e na ressaca da guerra do Vietname, onde jovens viam os seus irmãos mais velhos e pais, arrancados da comunidade e obrigados a participar numa guerra que nem sequer sentiam ser sua (mas obrigados a faze-lo, sob ameaça de irem para prisão, como aconteceu com o pugilista Muhammed Ali), que surgem os primeiros sinais do Hiphop.
Antigamente, a forma como pensámos e agimos, foi para dizer que não queríamos ser associados a musica “mainstream” (popular). Já havíamos observado como os nossos pais haviam se ajoelhado para fazer parte da sociedade americana. Só para serem escorraçados. E era isto essencialmente o que aconteceu na época do civil rights movement. Os nossos pais pediam inclusão, nessa época. Este era o argumento de Martin Luther king”, diz KRS-One (um respeitado MC norte-americano), numa palestra dirigida a estudantes universitários.
Nós, a primeira geração Hiphop”, continua KRS-One “seguimos os conselhos de Malcolm X, mais do que os de Luther king”. Ou seja, segundo KRS-One, essa geração não quis mais pedir inclusão, ficar estática, ou tomar parte daquilo que estava sob o controlo do estado norte-americano. Inclusive a guerra do Vietname. Porque a táctica de “pedir inclusão” por parte dessas comunidades, claramente não estava funcionando.
É neste contexto, aqui resumido, que surge o Hiphop. Neste contexto, onde os “fazedores de lei” são os mesmos a transgredirem a mesma.
“ Martin Luther king era especial, não posso desacredita-lo, quando ele diz que devemos cumprir a lei e ser espelhos para aqueles que transgrediam a lei em seu próprio beneficio.” diz KRS-One. Avança dizendo que “ por seu lado, Malcom X disse, nada funciona mais aqui. A única solução é a separação.” Ou seja, era a criação de uma nova forma de pensar. Pensar sim, mas contra o “status quo”.
Esta mesma atitude foi adoptada pelo Hiphop, em relação a música e a cultura popular (Pop) da altura. A denominada de “mainstream”.
Em 1972 nós (Hiphop) dissemos, fique com o teu mainstream. Nós não o queremos. Tentámos entrar para as vossas escolas de dança. Vocês nos escorraçaram, escorraçaram os nossos pais. Agora estamos criando breaking (um outro elemento do Hiphop, vulgarmente conhecido como breakdance). E agora nenhuma das vossas escolas podem fazer dinheiro, a não ser que tenham breaking no currículo. Isto é o que sabíamos em 1972. Não pense que o Hiphop foi um erro. A cada passo da caminhada, estávamos pensando, pensando…nós sabíamos ao longo do percursso o que estávamos fazendo, e como o fazer. Paz, Amor, Unidade e Divertir” - KRS ONE

Aqui surge DJ Kool Herc, com as suas famosas festas e “tocatinas” nas praças publicas do Bronx, E.U.A. Os sons propagados pelos “sound system” de Kool Herc, atraiam vários jovens que dançavam, “quebravam-se e requebravam-se” (breaking) ao ritmo de James brown e outros artistas da época. Tudo para descontraírem-se do ambiente a sua volta e criar uma nova forma de estar e encarar os seus problemas. Problemas, atrás citados. Que vão de guerra indesejada, a epidemia de drogas. A partir de um certa altura surge o MC (mestre de cerimónias) que primeiramente começa por citar os nomes das pessoas presentes nas festas e nos eventos, e nomes dos b.boys (breakdancers) que animavam a malta com os seus movimentos de dança acrobáticos. Com o tempo, o MCing (elemento praticada pelos Mestres de Cerimónia) ganhou uma maior consciência lírica e passou-se a relatar acontecimentos e até a contestar o “status quo” através dos microfones disponibilizados pelos DJs. O povo, o público, como sempre, estando com sede de verdade, acarinhou e absorveu os conhecimentos trazidos por este elemento do Hiphop.
Os acontecimentos da época, os detalhes, a história do Hiphop não cabem neste artigo, pois ainda em 1976/77, “as pessoas estavam sendo linchadas e o Ku Klux Clan estava ainda marchando”. Peço ao Sr. Barbosa que faça o resto da pesquisa pelos seus próprios meios, pois já lhe forneci dados mais do que suficiente para refutar a sua teoria de que não se pode aproveitar o Hiphop para nada.
De seguida analisaremos o contexto social e político em que surgiu a cultura Hiphop/musica rap, feita por caboverdianos. Essa que chamamos hoje, orgulhosamente de Hiphop Criol.

Contexto Social e Politico em Cabo Verde (Na altura em o Hiphop surgiu nas ilhas)


Voltando para a nossa realidade, para o nosso pais, vejamos em que contexto surge o rap e a cultura Hiphop em Cabo Verde. Estamos no início da década de 90. Cabo Verde passa de uma ditadura, se quiserem, de um estado totalitário e autoritário (com direito a torturas físicas e psicológicas), a um estado denominado de democrático. Os cabo-verdianos, mais precisamente, os jovens cabo-verdianos, encontram nesta conjuntura uma situação ideal para reivindicarem os seus direitos e projectarem a sua voz. Uma voz, que ontem havia sido silenciada nos calabouços da pide e do PAIGC. Essa mesma voz, silenciada e amedrontada com choques eléctricos, havia se emancipado. Essa voz dizia agora, neste contexto democrático, em cima de um instrumental Hiphop “Es da pov es da pov, choque na ov” (parafraseando uma musica rap, de um dos grupos activos na década de 90, em Cabo Verde).

Eu sei, o povo e o senhor, um grande camarada, sabe que isso não havia sido invenção desses pioneiros (não do partido, mas sim do hiphop Criol). Era a verdade sendo divulgada, socializada e discutida, sem medo de represálias. Porquê!? Porque agora sim, havia uma relativa liberdade para o povo expressar o que lhe vinha na alma. O que testemunhava com os seus próprios olhos.

Não vou aqui descrever a evolução do Hiphop Criol ou Hiphop Caboverdiano, desde o período pós ditadura até hoje, porque não interessa. O certo é que o Hiphop, foi-se fortalecendo e amadurecendo (paralelo a nossa democracia), ao longo dos anos. Ganhou-se mais respeito pelo que se faz (Hiphop), o que trouxe mais responsabilidade. Esses jovens tornaram-se adultos, e como qualquer cidadão adulto continuavam e continuam a observar as injustiças e as crises que o país enfrentava e continua enfrentando. Crise de várias ordens, que não vale a pena aqui enumerar. Nós todos acompanhámos o “estado da nação”. Atrás dessa geração de jovens (porque estamos no 20º aniversario do Hiphop Criol) surgiu de novo uma geração, que também não quis se calar perante o “status quo”, das coisas.
Continuou o trabalho já iniciado. Aperfeiçoaram-se as rimas, e os instrumentais (batidas ou beats) passaram a não serem importados e até a terem sonoridades das nossas ilhas. E após esta geração, outras virão. Atacadas por pretensiosos guardiões da nossa cultura, que não passam de “bufos” que se opõe a tudo quanto não está escrito no “programa” propagandeado pelo “partido” do seu coração.

Conclusão

Se na década de 90 até a data de hoje, nem em sonhos senhores como o barbosa pensariam em beliscar a liberdade de expressão e a democracia (representada hoje no seu mais alto estandarte pelo Hiphop/Rap Criol), hoje é diferente. Na altura tinham medo. Pois os camaradas tinham o rabo preso das injustiças praticadas na pós-independência, e o chicote (melhor, a maquina de choques eléctricos de fabrico russo) havia-lhes fugido das mãos, com as eleições democráticas dos anos 90.
Mas, como o mundo tem voltas, a máquina da mentira e do nepotismo instalou-se de novo no país, há mais de uma década. Essas pessoas cujo autoritarismo havia sido antes afastado e esconjurado (muito mal esconjurado, se me perguntarem), estão hoje de novo com vez e voz, para se oporem a tudo quanto não vai de encontro com os programas de “brainwash” instalados pelos camaradas.
Por isso que esse senhor (que actualmente, perdeu o meu respeito) diz hoje, em pleno 2012, que o Hiphop/Rap caboverdiano “não tem nenhuma mensagem, esse tipo de música é uma poluição”. Precisamente ao contrário do que todos testemunham. Mas pessoas desse tipo mentirão até a si mesmo e aos seus filhos, e as suas esposas (que são as únicas que os podem aconselhar, imaginem agora!) em detrimento de ideologias politicas retrógradas, em que tudo aquilo que foge a jurisdição e ao controlo deles, é lixo.
Não merece ser escutado, dizem. E porquê, pergunta-se!? Respondo. Porque é do interesse deles, e só deles, que a verdade e a realidade hoje divulgada por jovens, direccionada aos seus pares e a sociedade em geral, pareça como uma mentira, ou algo sem significado. Porque deita abaixo toda essa mentira de país de desenvolvimento médio e de “boa governação”. Porque relata a pobreza. Relata o nepotismo. É ai que eles se enganam a si mesmos porque, a mensagem hoje transmitida pelo Rap/Hiphop Criol, ou Caboverdiano, é um puro exercício da democracia e de compromisso com a verdade e a justiça social.
Se esta investida deste senhor (que até pôs-me a pensar, “sabe-se lá a mando de quem!”) contra o Hiphop/Rap Criol, tivesse como intenção desestabilizar e desacreditar a existência da cultura Hiphop em Cabo Verde, o tiro sai-lhes pela culatra. Uma autêntica “friscada, d’corrida pau.” Só serviu para o Hiphop Criol demonstrar que está “blindado” a tais investidas. Ao contrário de vários sectores do nosso país (economia!? Segurança, respeito pelos direitos humanos, etc) que estão sem norte, e cujo destino deveria estar a preocupar senhores que se pretendem cultos como ele. São essas as questões que mais preocupam o Hiphop Criol. Mas ao que parece, o que mais incomoda e preocupa o Barbosa e pessoas que pensam como ele, é a pujança com que o Hiphop tem-se manifestado no seio dos jovens.
Amo e defendo a nossa música e cultura caboverdiana, e o seu ensino e a sua prática no nosso país e na diáspora (ensino, onde vocês têm falhado e colocado a culpa nos outros). E ao contrário dele, nem vou colocar isso aqui em questão outra vez. Porque penso ser um disparate comparar estas belas culturas ou mesmo tentar coloca-las de costas voltadas uma para a outra. Co-existem saudavelmente e não há motivos para alarmes, ou para denegrir uma em função da outra.
Mas que ninguém venha dizer que o Hiphop não tem motivos nem legitimidade na nossa sociedade, ou na nossa diáspora. Quando todos estão calados, O hiphop não se cala. Nós somos a voz do povo, a verdaderia, a ACTUAL. Nós somos a democracia, não em papel mas na prática. Nós somos, Eu Sou, Hiphop Criol. Para a próxima, que se faça uma crítica concreta construtiva, adulta (porque comportou-se como um rapazinho inexperiente) que o Hiphop estará aqui para escutar e responder, assim como critico a sua atitude aqui, neste texto. Desta vez, não disse coisa com coisa, e veio com um rabo comprido, pronto para ser puxado. “Aprender, sempre!” Nós, Hiphop de Cabo Verde, ao contrário de si, todos nos ensinam. Todos a nossa volta, nos ensinam dia após dia a respeitar e entender o papel e a responsabilidade do Hiphop Criol e dos seus agentes (como cidadãos) na nossa sociedade. Este triste episódio provocado pelo barbosa, embora lamentável, veio demonstrar que o Hiphop Criol deve continuar “by any means necessary”. Porque se nos calarmos, quem dirá a verdade das coisas!? Certamente que não serão pessoas como o Barbosa, que têm todo o interesse em manter o “status quo”, de boa governação, refutada pelo Hiphop Criol, a cada rima e batida.
G.F.R.Silva
Fonte: Caboverdiano

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